Hoje é o dia dedicado a arte e decidi escrever um artigo sobre uma das obras de arte portuguesas que mais amo.
Trata-se da mais célebre obra da ourivesaria portuguesa, pelo seu mérito artístico e pelo seu significado histórico: a custodia de Belém, exposta no MNAA (Museu Nacional de Arte Antiga) de Lisboa.
Mandada lavrar pelo rei D. Manuel I para o Mosteiro de Santa Maria de Belém (Melhor conhecido como Mosteiro do Jerónimos), a Custódia de Belém é atribuível ao ourives e dramaturgo Gil Vicente.
Foi realizada com o ouro do tributo do Régulo de Quilôa (na atual Tanzânia), em sinal de vassalagem à coroa de Portugal, trazido por Vasco da Gama no regresso da sua segunda viagem à Índia, em 1503, é um bom exemplo do gosto por peças concebidas como microarquitetura no gótico final.
Destinada a guardar e expor à veneração dos fiéis a hóstia consagrada, apresenta, ao centro, os doze apóstolos ajoelhados, sobre eles pairando uma pomba oscilante, em ouro esmaltado a branco, símbolo do Espírito Santo, e, no plano superior, a figura de Deus Pai, que sustenta o globo do Universo, materializando-se deste modo, no sentido ascensional, a representação da Santíssima Trindade.
As esferas armilares, divisas do rei D. Manuel I, que definem o nó, como que a unir dois mundos (o terreno, que se espraia na base, e o sobrenatural, que se eleva na estrutura superior), surgem como a consagração máxima do poder régio nesse momento histórico da expansão oceânica, confirmando o espírito da empresa do Rei que para sempre ficou ligado a época da expansão marítima portuguesa.
Um obra que deixa verdadeiramente sem palavras pela qualidade artística, os materiais e a perfeição da sua realização no mais pequenos detalhes.
O MNAA conserva essa e muitas obras representativas da arte portuguesa e international; um lugar então que os apaixonados de arte não podem faltar de visitar. Melhor ainda si acompanhados para uma histórica de arte apaixonada por esse Museu 😉
Então, o que espera a reservar uma visita comigo?
Quando visitamos uma cidade portuguesa, uma das primeiras características que observamos encontra-se em baixo dos nossos pés. Estou a falar da calçada portuguesa, verdadeira obra de arte em pedra que com vários desenhos decora as cidades lusitanas.
Mas qual é a historia e a origen?
Há uma historia que nos diz que a calçada portuguesa tem origem por causa de um rinoceronte. Lembram-se do Ganga, o rinoceronte branco de D Manuel? Se ainda não o conhecem, podem ler a sua historia no meu artigo do dia 29 de outubro (https://lisbon-a-love-affair.com/pt/2020/10/29/o-rinoceronte-do-rei/)
Ora, tudo começa então com a chegada do rinoceronte.
No aniversário do Rinoceronte que só saia uma vez por ano no inverno no dia 21 de Janeiro, era organizado um enorme cortejo que saia às ruas de Lisboa ostentando as novas riquezas do rei chegadas do oriente. Nesse cortejo não poderia faltar Ganga, obviamente e para que o rinoceronte ricamente ornamentada não chafurdasse na lama, sujando-se a si e aos que o rodeavam, D. Manuel ordenou que se calcetassem as ruas por onde o cortejo iria passar.
São as cartas régias de 20 de Agosto de 1498 e de 8 de Maio de 1500, assinadas pelo rei D. Manuel I de Portugal, que marcam o início do calcetamento das ruas de Lisboa, mais notavelmente o da Rua Nova dos Mercadores (antes Rua Nova dos Ferros)
Foi utilizado neste calcetamento granito vindo do Porto, no entanto o seu transporte tornou o trabalho dispendioso para os cofres do reino, mas o Rinoceronte merecia
Surgia assim a Calçada à portuguesa, mais irregular que a conhecemos hoje, mas era o seu inicio.
Posteriormente, o terramoto de 1755 destruiu grande parte da cidade e com ela as suas ruas calcetadas. Mas só em 1842 Lisboa voltaria a ver uma calçada reconstruída, desta vez com pedras de calcário, geralmente brancas e pretas, material abundante na região. Deste modo, aplicavam-se pedras praticamente cúbicas, que é como as conhecemos hoje em dia e em todo o mundo por onde Portugal deixou marca.
O trabalho foi realizado por presidiários (chamados grilhetas na época), a mando do Governador de armas do Castelo de São Jorge, o tenente-general Eusébio Pinheiro Furtado.
O desenho utilizado nesse pavimento foi de um traçado simples (tipo zig-zag) mas, para a época, a obra foi de certa forma insólita, tendo motivado cronistas portugueses a escrever sobre o assunto.
Após o sucesso da empreitada foram concedidas verbas a Eusébio Furtado para que os reclusos pavimentassem também a Praça do Rossio, numa extensão de 8.712m². Esta obra terminou em 1848, com desenhos a homenagear os descobrimentos portugueses, e ficou conhecida como Mar Largo. Rapidamente se espalhou esta moda pelo país e pelas colónias, onde foram produzidas autênticas obras-primas nas zonas pedonais, enobrecendo o espaço público urbano, num ideal de modernização das cidades.
A Baixa de Lisboa transforma-se com a maioria das suas ruas a serem calcetadas a basalto, entre elas o Largo de Camões em 1867, o Príncipe Real em 1870, a Praça do Município em 1876, o Cais do Sodré em 1877 e o Chiado, finalizando em 1894. A abertura da Avenida da Liberdade dá-se em 1879 e em 1908 chega finalmente ao Marquês de Pombal com largos passeios onde foram introduzidos belos e deslumbrantes tapetes de desenhos, que fazem de Lisboa a cidade referência deste tipo de pavimento artístico.
Mas a calçada não se encontra só em Portugal. No séc. XV os territórios de além-mar de influência portuguesa também viram a pedra da mesma origem revestir os seus arruamentos
Isto deveu-se ao facto de muitos dos navios que partiam para esses destinos irem vazios, a fim de regressarem carregados de bens e mercadorias locais, e por isso terem necessidade de aumentar a sua carga e assim garantir a sua estabilidade de navegação – o chamado lastro. A solução encontrada foi carregar as embarcações de pedra portuguesa à partida de Lisboa.
Um exemplo longínquo desta expansão da calçada portuguesa é Macau – antigo território administrativo português e talvez o território fora de Portugal com a maior área de calçada. Os motivos dos desenhos são, na maioria, de caravelas, rosas-dos-ventos, conchas, peixes, estrelas ou ondas do mar. Nem mesmo depois de 1999, aquando a transferência de soberania para a República Popular da China, essa área diminuiu, antes pelo contrário, ainda hoje este tipo de pavimento é implementado, até por calceteiros chineses, formados por mestres portugueses.
Actualmente, podemos ainda encontrar antigos pavimentos de calçada portuguesa no Brasil, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Índia ou Timor. Ou até encontrar novos exemplos, como acontece em Espanha ou nos E.U.A.
A técnica
Os calceteiros com o auxílio de um martelo, fazerem pequenos ajustes na forma da pedra, e utilizam moldes para marcar as zonas de diferentes cores, de forma a que repetem os motivos em sequência linear (frisos) ou nas duas dimensões do plano (padrões). A geometria do século XX demonstrou que há um número limitado de simetrias possíveis no plano: 7 para os frisos e 17 para os padrões. Um trabalho de jovens estudantes portugueses registou, nas calçadas de Lisboa, 5 frisos e 11 padrões, atestando a sua riqueza em simetrias.
Destacam-se as técnicas de aplicação de calçada mais comuns: a antiga calçada à portuguesa, que se caracteriza pela forma irregular de aplicação das pedras; o malhete, semelhante mas com mais espaço entre as pedras; a calçada portuguesa clássica, que tem uma aplicação em diagonal, segundo um alinhamento de 45 graus com os muros ou lancis; a calçada à fiada, com as pedras alinhadas em filas paralelas; a calçada circular; a calçada sextavada; a calçada artística, que se caracteriza pela aplicação de pedras com formatos específicos e/ou pelo contraste de cores; o Mar Largo; o leque segmentado; o leque florentino; e o rabo de pavão.
Os desenhos
Durante muito tempo os desenhos foram elaborados por amadores com muita perícia, tendo geralmente como base motivos tradicionais ligados ao grande feito dos portugueses – os Descobrimentos.
A partir dos anos 50, alguns artistas foram convidados a desenhar motivos destinados à calçada portuguesa.
Nos dias de hoje o papel dos arquitetos é fundamental na concepção de motivos a aplicar a espaços em recuperação, como nas zonas antigas das cidades portuguesas.
São os próprios mestres que criam e desenvolvem novos tipos de aplicação da pedra consoante o gosto e estilo profissional.
Em 1986, foi criada pela Câmara Municipal de Lisboa, uma Escola de Calceteiros com o único objetivo de formar profissionais, e ensinar-lhes os saberes de velhos mestres e assim assegurar a “sobrevivência” da calçada portuguesa.
Hoje falamos de um dos santos mais disputados da história, um santo que para os italianos é sem dúvida Santo António de Pádua. Mas cuidado a afirmar isso em Lisboa! Aqui é Santo Antônio de Lisboa. Durante os meus passeios, convido os meus turistas a fazerem uma pequena experiência: procurar Santo Antonio na Wikipédia. Experimente e verá que, se em todas as línguas é Santo António de Pádua, em português é Santo António de Lisboa. Mas então, qual é a verdade?
É um dos santos mais queridos do cristianismo, mas Santo Antônio de Pádua, como é conhecido hoje, sempre carregou consigo essa curiosa polémica ligada ao seu nome.
Para ser justos, é preciso dizer que António viveu em Pádua apenas 3 anos, os últimos de sua vida cheia de aventuras. Fernando Martins de Bulhões – este é o seu verdadeiro nome – nasceu numa família rica em 1195 em Lisboa; nessa altura a cidade tinha regressado ao cristianismo desde cerca de 40 anos, após Alfonso Henriques a ter conquistado aos mouros tornando-se assim o primeiro rei de Portugal. O pai Martinho, cavaleiro do rei, vivia com a família numa casa perto da Sé de Lisboa, onde Fernando foi baptizado.
Em 1210, com apenas quinze anos, entrou para a Ordem dos Agostinianos na Abadia de São Vicente, em Lisboa. Após cerca de 2 anos foi transferido para o Convento de Santa Cruz em Coimbra, onde permaneceu cerca de 8 anos, durante os quais estudou assiduamente teologia. Em 1219, chegaram ao convento os corpos decapitados de 5 frades enviados por Francisco de Assis a Marrocos com a missão de converter os muçulmanos. Fernando ficou tão chocado com o incidente que decidiu deixar os agostinianos para ingressar na Ordem Franciscana. Ele, portanto, escolheu mudar o seu primeiro nome para António, e partir como missionário.
Antonio embarcou para o Marrocos no outono de 1220. Porém, ao chegar à África, contraiu uma febre tropical que o obrigou a retornar à Europa. Mas na viagem de volta para a Península Ibérica, o navio encontrou uma forte tempestade que desviou o seu curso em direção ao Mediterrâneo.
O barco naufragou na Sicília. Aqui, Antonio refugiou-se no convento franciscano de Messina, onde soube que em maio daquele ano (1221) Francisco convocou a assembleia eletiva e legislativa dos frades da Ordem. Depois de uma longa viagem, Antonio chegou a Assis, onde conheceu pessoalmente o futuro padroeiro da Itália. Antonio recebeu a ordem de pregar e de lá partiu para uma nova missão de conversão, desta vez para o norte da Itália, e no final de 1224 mudou-se para o sul da França.
Depois de passar 2 anos na França, retornou à Itália em 1226 quando soube da morte de Francisco. Os seus sermões começaram a ser seguidos por muitas pessoas, e ele nem parou quando, exausto pelas viagens contínuas e longos jejuns a que foi submetido, ficou doente o suficiente para ser forçado a ser carregado em seus braços até o púlpito. Ele morreu em 13 de junho de 1231, aos 36 anos.
Graças à fama que conquistou, desde o dia do funeral o seu túmulo tornou-se destino de peregrinação para milhares de devotos que desfilaram em frente ao sarcófago dia e noite pedindo graças e curas. Tantos milagres foram atribuídos à sua intercessão que o bispo de Pádua “por aclamação popular” teve que submetê-los ao julgamento do Papa Gregório IX. Em junho de 1232, exatamente um ano após sua morte, Antônio foi nomeado Santo com “53 milagres aprovados” e a denominação de Santo António de Pádua. Nesse mesmo ano, iniciaram-se as obras da Basílica destinada a preservar os restos mortais da capital veneziana e que hoje recebe milhões de visitantes todos os anos.
E os lisboetas, seus concidadãos? Têm de se contentar com um fragmento de osso do braço esquerdo, cedido pelos franciscanos paduanos e guardado na cripta da mais humilde, mas igualmente bela, Igreja de Santo António de Lisboa, que se ergue a poucos passos da Sé, no mesmo local onde, como conta o lenda, havia a casa de seus pais.
Por outro lado, a maior festa popular da cidade é dedicada ao santo, a famosa Noite de Santo António que todos os anos entre 12 e 13 de junho (aniversário de sua morte) enche todos os bairros com marchas, cantos, danças e os característicos cheiro de sardinha grelhada e comida ao ar livre por milhares de fregueses. Mas isso fica para uma próxima historia!
Pensando nos produtos típicos de Portugal, pensamos imediatamente no vinho, como o Porto ou o vinho da Madeira, ou nas esplêndidas cerâmicas, os azulejos pintados à mão que decoram casas e jardins.
Contudo, nem todos sabem que Portugal está em primeiro lugar no mundo no processamento de cortiça, com 53% da produção mundial. Na região do Alentejo, entre Lisboa e a costa atlântica, concentra-se 72% da produção total de todo o país e artesãos qualificados trabalham aqui.
O que obtém do processamento de casca? Praticamente tudo: bonés, acessórios para casa, acessórios de moda, roupas e sapatos, mas também bolsas e mochilas, móveis e revestimentos para pisos ou paredes.
A cortiça é um produto 100% natural, macio, resistente, versátil, recicláveis, hipoalergénico e com propriedades térmicas que mantêm o calor e o frio.
A cortiça é um elemento tão enraizado na história de Portugal que encontramos vestígios dela em muitos monumentos:
– O Convento de Santa Cruz do Buçaco e o Convento dos Capuchos de Sintra, por exemplo, onde os monges usavam cortiça para cobrir as paredes e tornar o ambiente mais confortável e é assim que encontramos algumas células e algumas áreas comuns com as paredes cobertas cortiça.
– Na Basílica da Estrela, em Lisboa, você pode admirar os berços do século XVIII com figuras de teracota em cenários de cortiça.
– Os batentes das portas, janelas e vigias do Chalet da Condessa d´Edla em Sintra estão decorados com elementos de cortiça.
– São Brás de Alportel (Algarve) deve o seu desenvolvimento à indústria da cortiça e hoje está localizada no centro da Rota da Cortiça, no meio de belas florestas de cortiça.
O cultivo de plantas de cortiça é uma arte que requer tempo e muita paciência. Um sobreiro leva 25 anos para ser produtivo e capaz de fazer a primeira “decapagem” (extração de cortiça). Entre um descortiçamento e outro devem passar 9 anos e somente a partir do terceiro teremos uma cortiça bastante compacta e utilizável. As placas de cortiça são empilhadas ao ar livre, depois são fervidas e divididas de acordo com a espessura e a qualidade. Com as melhores pranchas, as rolhas naturais são obtidas enquanto as pranchas inferiores são usadas para solas para sapatos ou rolhas para vinhos comuns. As árvores podem viver até 400 anos e garantir colheitas por 200 anos
Era uma vez três rios que nasceram em Espanha. Chamavam-se Douro, Tejo e Guadiana. Estavam um dia a contemplar as nuvens e perguntaram-lhes donde vinham.
– Do mar – responderam elas. – É o nosso pai e o nosso avô.
– Onde fica o mar? – perguntaram os rios.
– Lá longe, em Portugal – responderam as nuvens.
– É grande?
– É, é muito grande.
– Havemos de ir ver o mar.
E combinaram que no dia seguinte iriam os três ver o mar. Assim fizeram.
O Guadiana acordou primeiro e lá foi calmamente, contemplando os montes e as belezas que o espreitavam, e escolhendo os caminhos por onde passava, ao chegar a Vila Real de Santo António parou maravilhado. O segundo foi o Tejo. Quando acordou já o sol ia alto. Começou a andar depressa, quase não escolhendo caminho, mas, quando entrou em Portugal, pensou lá consigo que já deveria ter muito avanço e lembrou-se de gozar as campinas e os montes, espreguiçando-se nas margens planas, antes de se lançar nos braços do avô. O Douro, quando acordou e se viu só, nem esfregou os olhos. Partiu à pressa por desfiladeiros e precipícios, não escolhendo caminho, nem pensando em gozar a natureza.
Assim foi ele que, muito sujo e enlameado, chegou em primeiro lugar.
Decidi começar o nosso Blog assim, com uma historia que as crianças aprendem para explicar porque os três rios principais de Portugal têm características geográficas tão diferentes. Portugal é um pais com mil rostos diferentes, com muitas almas, onde há sempre uma surpresa a nossa espera. E este é o pais que quero contar, um pais que amo e onde encontrei a minha casa. E talvez um dia, numa viagem juntos, vos explicarei porque Portugal tem um lugar tão especial no meu coração.