By : Outubro 23rd, 2020 Personalidades 0 Comments

Hoje falamos de um dos santos mais disputados da história, um santo que para os italianos é sem dúvida Santo António de Pádua. Mas cuidado  a afirmar isso em Lisboa! Aqui é Santo Antônio de Lisboa. Durante os meus passeios, convido os meus turistas a fazerem uma pequena experiência: procurar Santo Antonio na Wikipédia. Experimente e verá que, se em todas as línguas é Santo António de Pádua, em português é Santo António de Lisboa. Mas então, qual é a verdade?

É um dos santos mais queridos do cristianismo, mas Santo Antônio de Pádua, como é conhecido hoje, sempre carregou consigo essa curiosa polémica ligada ao seu nome.

Para ser justos, é preciso dizer que António  viveu em Pádua apenas 3 anos, os últimos de sua vida cheia de aventuras. Fernando Martins de Bulhões – este é o seu verdadeiro nome – nasceu numa família rica em 1195 em Lisboa; nessa altura a cidade tinha regressado ao cristianismo desde cerca de 40 anos, após Alfonso Henriques a ter conquistado aos mouros tornando-se assim o primeiro rei de Portugal. O pai Martinho, cavaleiro do rei, vivia com a família numa casa perto da Sé de Lisboa, onde Fernando foi baptizado.

Em 1210, com apenas quinze anos, entrou para a Ordem dos Agostinianos na Abadia de São Vicente, em Lisboa. Após cerca de 2 anos foi transferido para o Convento de Santa Cruz em Coimbra, onde permaneceu cerca de 8 anos, durante os quais estudou assiduamente teologia. Em 1219, chegaram ao convento os corpos decapitados de 5 frades enviados por Francisco de Assis a Marrocos com a missão de converter os muçulmanos. Fernando ficou tão chocado com o incidente que decidiu deixar os agostinianos para ingressar na Ordem Franciscana. Ele, portanto, escolheu mudar o seu primeiro nome para António, e partir como missionário.

Antonio embarcou para o Marrocos no outono de 1220. Porém, ao chegar à África, contraiu uma febre tropical que o obrigou a retornar à Europa. Mas na viagem de volta para a Península Ibérica, o navio encontrou uma forte tempestade que desviou o seu curso em direção ao Mediterrâneo.

O barco naufragou na Sicília. Aqui, Antonio refugiou-se no convento franciscano de Messina, onde soube que em maio daquele ano (1221) Francisco convocou a assembleia eletiva e legislativa dos frades da Ordem. Depois de uma longa viagem, Antonio chegou a Assis, onde conheceu pessoalmente o futuro padroeiro da Itália. Antonio recebeu a ordem de pregar e de lá partiu para uma nova missão de conversão, desta vez para o norte da Itália, e no final de 1224 mudou-se para o sul da França.

Depois de passar 2 anos na França, retornou à Itália em 1226 quando soube da morte de Francisco. Os seus sermões começaram a ser seguidos por muitas pessoas, e ele nem parou quando, exausto pelas viagens contínuas e longos jejuns a que foi submetido, ficou doente o suficiente para ser forçado a ser carregado em seus braços até o púlpito. Ele morreu em 13 de junho de 1231, aos 36 anos.

Graças à fama que conquistou, desde o dia do funeral o seu túmulo tornou-se destino de peregrinação para milhares de devotos que desfilaram em frente ao sarcófago dia e noite pedindo graças e curas. Tantos milagres foram atribuídos à sua intercessão que o bispo de Pádua “por aclamação popular” teve que submetê-los ao julgamento do Papa Gregório IX. Em junho de 1232, exatamente um ano após sua morte, Antônio foi nomeado Santo com “53 milagres aprovados” e a denominação de Santo António  de Pádua. Nesse mesmo ano, iniciaram-se as obras da Basílica destinada a preservar os restos mortais da capital veneziana e que hoje recebe milhões de visitantes todos os anos.

E os lisboetas, seus concidadãos? Têm de se contentar com um fragmento de osso do braço esquerdo, cedido pelos franciscanos paduanos e guardado na cripta da mais humilde, mas igualmente bela, Igreja de Santo António de Lisboa, que se ergue a poucos passos da Sé, no mesmo local onde, como conta o lenda, havia a casa de seus pais.

Por outro lado, a maior festa popular da cidade é dedicada ao santo, a famosa Noite de Santo António  que todos os anos entre 12 e 13 de junho (aniversário de sua morte) enche todos os bairros com marchas, cantos, danças e os característicos cheiro de sardinha grelhada e comida ao ar livre por milhares de fregueses. Mas isso fica para uma próxima historia!

By : Outubro 20th, 2020 Personalidades 0 Comments

Maria Severa é, talvez, o primeiro ícone fadista em Portugal.

Foi baptizada em 12 de setembro de 1820 na Paróquia dos Anjos, razão pela qual há quem refira que ela terá nascido na Mouraria, onde de facto, na Rua do Capelão, viveu parte da sua vida, e onde faleceu. Mas a teoria mais acreditada é que ela tinha nascido na Madragoa onde a sua mãe, a Barbuda (assim chamada porque ela tinha muita barba que a obrigava a cortá-la frequentemente e a encobri-la com um lenço), uma célebre e temida prostituta da Mouraria que tinha uma taverna na rua da Madragoa. 

Ai a Severa batia o fado com o Manozinho, o mais antigo fadista do sítio, e com o Mesquita, um fadista que andara embarcado.

Viveu apenas 26 anos – de 1820 a 1846 -, mas Maria Severa Onofriana, revolucionou a Lisboa do seu tempo, e grande foi a sua fama em vida e ainda mais depois da morte.

O escritor Júlio Dantas foi um dos responsáveis desta aura de fama pelo seu romance e, posteriormente, pela peça “A Severa”, que mais tarde Leitão de Barros adaptou ao cinema, tendo sido o primeiro filme sonoro português. Protagonizado por Dina Tereza, o filme estreou em junho de 1931 no Teatro S. Luiz, onde esteve em cartaz durante seis meses e foi visto por 200.000 espectadores.

A personagem do romance, a partir da qual se construiu o mito da Severa não corresponde totalmente à vida real da fadista que foi, entre outros, amante do último Conde de Vimioso. A atriz Palmira Bastos que chegou a encarnar no palco a personagem da Severa afirmou que esta era “a dama das camélias portuguesa”.

Maria Severa distinguiu-se pelo feitio “briguento” que herdara da mãe,, mas essencialmente pela sua voz e a forma de cantar, além da esbelta figura. Era “alta, delgada mas não magra, seio opulento, pele muito branca, olhos pretos, bastos cabelos negros, sobrancelhas carregadas, boca pequenina muito vermelha, belos dentes, cintura fina e o pé pequeno”, assim a descreveu um contemporâneo.

O pintor Francisco Metrass (1825-1861) ainda esboçou o seu retrato, sem nunca o ter terminado.

Severa viveu em pleno advento do liberalismo quando se começou a sentir o final do Antigo Regime absolutista

Afirmam os seus contemporâneos, que deixaram escritas memórias sobre Severa, que além de cantar o fado, acompanhava-se a si própria, numa guitarra de cravelhas, e até escrevia os poemas que cantava.

Um companheiro seu, Manuel Botas, descreve a sua peculiar forma de cantar: “Às vezes guardava-se melancólica, nesses momentos cantava com tal sentimento que nos causava funda impressão”.

Severa, do qual não existe nenhum registo de voz, diz-se ter sido a primeira pessoa a cantar os fados na rua e a elevar os seus problemas representando o povo, e a razão pela qual o fado se propagou até ao nível de entidade nacional que hoje é. 

Teve vários amantes conhecidos, entre eles o Conde de Vimioso (D. Francisco de Paula de Portugal e Castro) que, segundo a lenda, era enfeitiçado pela forma como cantava e tocava guitarra, levando-a frequentemente à tourada. Proporcionou-lhe grande celebridade e naturalmente permitiu a Severa um maior prestígio e número de oportunidades para se exibir para um público de jovens oriundos da elite social e intelectual portuguesa.

Mas a diferencia social nunca ia permitir um casamento entre os dois e, a historia conta, isso provocou a morte da Severa que morreu pelo coração partido. De verdade morreu pobre e abandonada, de tuberculose, num miserável bordel da Rua do Capelão, a 30 de Novembro de 1846.

Consta que as suas últimas palavras terão sido: “Morro sem nunca ter vivido” – tinha 26 anos.

By : Setembro 9th, 2020 Personalidades 0 Comments

A 23 de julho de 1920 nasceu em Lisboa uma mulher cujo nome ia ficar para sempre ligado a historia de Portugal: Amalia Rodrigues. Aos 14 meses, foi deixada ao cuidado dos avós maternos quando os pais regressaram à Beira Baixa. Tendo tido, ainda muito nova, várias ocupações – desde bordadeira até empregada de balcão -, cantou pela primeira vez em público em 1935, numa festa de beneficência, acompanhada por um tio.

Como profissional, estreou-se em 1939 no Retiro da Severa. Logo no ano seguinte actuou em Madrid, dando início a uma carreira nacional e internacional jamais igualada por qualquer outro artista português. Em 1944, viajou pela primeira vez para o Brasil onde o sucesso obtido foi tão grande que acabaria por lá permanecer mais tempo do que o previsto e por lá voltar muitas mais vezes. 

Cantou pela primeira vez no Olympia de Paris, em 1956, numa festa de despedida de Josephine Baker, mas só no ano seguinte atuiria nesse palco como artista principal e absoluta.

A sua voz poderosa e expressiva fez-se ouvir e aplaudir em quase todo o Mundo. Amália Rodrigues tornou-se a grande divulgadora do fado além-fronteiras e é reconhecida como a maior intérprete da já longa tradição desse tipo de música. 

Foram inúmeros os concertos que deu ao longo de toda a sua vida artística e foram também várias as situações em que foi venerada, como as que aconteceram no grande espetáculo de homenagem do Coliseu dos Recreios de Lisboa, onde recebeu a Grã-Cruz da Ordem de Santiago e Espada (1990); na cerimónia em que François Miterrand, Presidente da República de França, lhe concedeu a Legião de Honra (1991); e no espetáculo da Gare Marítima de Alcântara, exibido em direto pela Radiotelevisão Portuguesa (1995). 

A fadista portuguesa morreu a 6 de outubro de 1999 e foi sepultada a 8, depois de umas cerimónias fúnebres que tiveram honras de estado. Tinha 79 anos. A notícia da sua morte correu mundo e comoveu o país. Cerca de 50.000 pessoas acompanharam a urna da artista no cortejo entre a basílica da Estrela e o cemitério dos Prazeres, em Lisboa.

A cantora, atriz e fadista portuguesa, que muitos continuam a aclamar como a voz de Portugal e a considerar uma das mais brilhantes cantoras mundiais do século XX, hoje-em-dia está sepultada no Panteão Nacional, para onde foi transladada 21 meses depois, em julho de 2001. 

Umas curiosidades que não todos sabem: 

– Depois de trabalhar num ateliê de bordadura, Amália Rodrigues vai trabalhar para uma fábrica de doces, perto de casa. A futura artista descasca marmelos e embrulha rebuçados enquanto canta. As colegas elogiam-lhe a voz e, à medida que as horas vão passando, pedem-lhe mais cantigas. 

– Estreou-se com um vestido amarelo às riscas verdes. Estreou-se como fadista na casa de fados O Retiro da Severa em julho de 1939. Na véspera da primeira apresentação pública, a mulher de Jorge Soriano, o proprietário do espaço, foi com a intérprete de “Gaivota” e “Barco negro” às compras. A escolha recaiu num vestido de manga curta, amarelo às riscas verdes, com peitilho de renda e uma gola dourada.

– A letra de “Foi Deus”, um dos fados mais populares de Amália Rodrigues, foi composta por um farmacêutico de Reguengos de Monsaraz no Alentejo. Orgulhoso da composição, que lhe saiu da alma à mesa de um café local, Alberto Janes anuncia, pouco depois, aos amigos que se prepara para viajar até Lisboa para a oferecer à fadista. A maioria, incrédula, ri-se. Dias depois, toca-lhe à porta. Ela lê o poema e aceita gravar o fado.

– Em 1952, Amália Rodrigues parte à conquista da América e triunfa em toda a linha. Alguns agentes propõem-lhe gravar em inglês canções de compositores como Cole Porter, George Gershwin e Samuel Barber. A fadista recusa. Em Hollywood, também são vários os produtores de cinema que a disputam. Os executivos da 20th Century Fox acenam-lhe com um contrato milionário. A artista regressa a Lisboa sem lhes dar resposta.