Em Lisboa, na praça que todos conhecem como Rossio, no coração da cidade, existe uma taberna, que guarda a memória de uma época que foi, quando esta praça estava repleta de cafés e tabernas, um dos pontos de encontro preferidos dos Português.
É a Tendinha, que desde 1840 continua a representar um dos marcos de Lisboa e além, para quem quer fazer uma pausa e comer algo enquanto bebe uma cerveja gelada ou um copo de vinho.
E quando dizemos Tendinha, dizemos Alfredo.
A sua imagem e a de Tendinha estão intimamente ligadas.
O Alfredo, alfacinha doc (uma forma simpática de dizer autêntico Lisboeta), está a trabalhar neste local há mais de vinte anos. Viu o tempo passar, os lugares e os gostos mudarem, muitos clientes, cada um com a sua história, e está presente neste lugar, que conhece com a palma da sua mão, desde 1998.
Tenho a certeza que quem já esteve em Lisboa já passou pela Tendinha pelo menos uma vez. E certamente se lembrará de Alfredo.
Muitas horas do seu dia são dedicadas ao trabalho e sem dúvida isso pode ser cansativo, mesmo que Alfredo sempre encontre uma forma de dar espaço aos seus interesses, como visitar novos lugares, assim como a fotografia e a dança, uma paixão descoberta há 20 anos atrás. A sua personalidade certamente versátil, e uma simpatia que o tornam um verdadeiro ponto de referência neste local. Alfredo conta que um escritor também mencionou a Tendinha num dos seus livros e, obviamente, não se esqueceu de mencioná-lo também.
E se querem conhecer a história da Tendinha, não há pessoa melhor.
Alfredo conta-nos que a Tendinha teve apenas três donos na sua longa história: a primeira família era de Viseu e permaneceu proprietária do local até 1974, passando este local de pai para filho, então o último herdeiro, que se dedicou a outras coisas, decidiu vender a taberna. E há 12 anos o atual proprietário comprou-a e tornou-se o terceiro proprietário oficial.
Mas a Tendinha, apesar do passar dos anos, não mudou muito. A única grande mudança ocorreu em 1974 e então permaneceu quase completamente a mesma.
Na sua aparência original possuía um piso superior onde se produzia a ginjinha (tradicional licor de ginja) que era posteriormente vendida no piso inferior onde existia e ainda existe a taberna.
A Tendinha nunca foi uma taberna onde as pessoas vinham só para beber, mas também sempre vendeu sandes e salgados (croquetes tradicionais à base de bacalhau ou de carne ou camarão, etc.).
Quando a Tendinha foi fundada era o 1840, embora recentemente um artigo de jornal relate a sua inauguração já em 1818. Lisboa era muito diferente do que parece hoje, os limites da cidade não ficavam longe do Rossio e, onde hoje se ergue a elegante Avenida da Liberdade, eram hortas.
As pessoas não comiam em casa, entre outras coisas em muitas casas não havia cozinha, pois o carvão nas casas de madeira teria sido a causa imediata do incêndio. Por muito tempo comer em tabernas ou nas chamadas “casas de pasto” era um hábito comum e isso explica também o baixo custo, nas tabernas antigas, ainda hoje. Comer fora não era um luxo, era uma necessidade. E no passado, conta Alfredo, as pessoas vinham aqui para aquecer ou cozinhar a comida e em troca compravam vinho.
Com o tempo, os gostos das pessoas também mudaram e certas “receitas” não existem mais. Alfredo conta-nos, por exemplo, que até há poucos anos a sandes com croquete de bacalhau e marmelada se comprava na Tendinha, ou se combinavam presunto com carne ou croquetes de bacalhau na mesma sandes. Hoje a oferta está mais moderna e mais adequada aos gostos atuais.
Mas a ementa não foi a única grande mudança do Tendinha. Há dez anos, numa taberna dirigida por um homem e frequentada por homens, chegou uma mulher: Margarida.
Parece-nos estranho pensar que há apenas dez anos uma mulher pudesse ter dificuldade em ser acolhida, mas a Tendinha sempre foi um local fora do tempo e sempre foi um local muito conservador, onde os clientes regulares iam para tomar um copo e, bebendo uma taça de vinho, conversaram com Alfredo, de homem para homem.
Quando a Margarida começou a trabalhar na taberna, conta-nos, às vezes lhe diziam que estavam à espera que Alfredo ficasse disponível para lhe pedir directamente.
Margarida teve que enfrentar muitas dificuldades para se integrar neste ambiente, mas não lhe falta caráter e por isso hoje não há Tendinha sem Alfredo, mas também não sem Margarida.
Demora um pouco a começar a contar, mas quando o faz, abre uma caixa de memórias verdadeiramente irresistível. E aqui descobrimos que muitos clientes, testemunhando as brigas irresistíveis entre os dois, muitas vezes pensam que são casados e Margarida nos confessa, que quando começou a trabalhar ali, para se defender de pretendentes indesejáveis ou para afirmar a sua presença na taberna, ela e Alfredo fingiram mesmo estar casados.
Hoje eles realmente parecem um velho casal: eles se metem um com o outro, se provocam, brincam. E ao fazer isso, criam um ambiente de trabalho verdadeiramente único, feito de um trabalho enorme, mas também de muitas risadas.
Entre os episódios que nos conta, conta-nos também que no início da sua presença ali na taberna, muitos clientes, habituados a ter alguma conversa de “bar” e comentários não adequados à presença de uma senhora, por exemplo sobre o antigo animatógrafo do Rossio, agora dedicado aos peepshows, começaram a inventar um código, a falar de aviões e boings para não ser compreendido por Margarida, ou assim pensavam. Às vezes, ela ia para a cozinha para deixá-los mais a vontade.
Mas também há memórias poéticas, como o signor César que escrevia poemas sobre os guardanapos que Margarida ainda guarda numa caixa. Uma vez, um grupo de poetas angolanos reuniu-se no interior da taberna e passou a noite a não consumir, mas a recitar poesia durante horas e horas, criando um momento que Margarida recorda como verdadeiramente mágico.
É claro que também tem alguém que já bebeu muito ou que vem beber depois de passar por muitos bar e aí o Alfredo tem o seu jeito de evitar servir mais: “tem cartão de sócio? Não? E então eu não posso atendê-lo ”
La Tendinha é um local único no seu género e tudo garante que o ambiente antigo seja preservado: o local, o menu e até os copos que o novo proprietário guarda com zelo por fazerem parte da história deste local.
É óbvio que com o tempo a clientela do Tendinha mudou. Antes, chegava um turista por semana e agora são mais turistas do que locais. Antes iam a Tendinha porque era uma referência, hoje param porque no coração de Lisboa ainda é um restaurante barato.
Mas seja qual for o motivo, certamente ficará fascinado com o lugar e, acima de tudo, com a atmosfera que aqui respira-se.
A Tendinha é um lugar cheio de história.
Um dos poucos locais que se pode orgulhar de ter um fado que lhe foi dedicado (Velha Tendinha).
E é precisamente o verso deste célebre fado que está agora bem marcado na entrada da taberna e nos aventais de quem aí trabalha: “Velha Taberna nesta Lisboa Moderna”.
Alfredo e Margarida continuam a tornar este local único, alegre, enfrentando o trabalho árduo com um sorriso e uma piada, que não pode deixar de envolver os que estão presentes.
E ambos amam o contato com as pessoas e o facto de que trabalhar neste lugar permite que eles se conectem com pessoas e culturas diferentes todos os dias.
Quem passa pela Tendinha deixa uma dedicatória, um pensamento no caderno de Alfredo que agora traz mais de um caderno, testemunho da passagem daqueles que, ainda que por poucas horas, fizeram parte da história deste lugar.
Afinal, diz Margarida, o encanto deste local é só entrar sozinha e sair a conversar com alguém, porque tal como acontecia nas velhas tabernas do passado, entre uma sandes e um copo de vinho, começa-se a conversar com desconhecidos que, antes que o copo acabar, já não são mais desconhecidos.
E quando alguém tenta interferir nessa tradição perguntando “Tem net?”, eles respondem “Não, ha conversa” .
Porque a Tendinha não é apenas uma taberna, mas um local de encontros, histórias e muitas risadas.