A Calçada portuguesa

By : Novembro 16th, 2020 Artesanato, Tradições 0 Comments

Quando visitamos uma cidade portuguesa, uma das primeiras características que observamos encontra-se em baixo dos nossos pés. Estou a falar da calçada portuguesa, verdadeira obra de arte em pedra que com vários desenhos decora as cidades lusitanas.

Mas qual é a historia e a origen?

Há uma historia que nos diz que a calçada portuguesa tem origem por causa de um rinoceronte. Lembram-se do Ganga, o rinoceronte branco de D Manuel? Se ainda não o conhecem, podem ler a sua historia no meu artigo do dia 29 de outubro (https://lisbon-a-love-affair.com/pt/2020/10/29/o-rinoceronte-do-rei/)

Ora, tudo começa então com a chegada do rinoceronte.

No aniversário do Rinoceronte que só saia uma vez por ano no inverno no dia 21 de Janeiro, era organizado um enorme cortejo que saia às ruas de Lisboa ostentando as novas riquezas do rei chegadas do oriente. Nesse cortejo não poderia faltar Ganga, obviamente e para que o rinoceronte ricamente ornamentada não chafurdasse na lama, sujando-se a si e aos que o rodeavam, D. Manuel ordenou que se calcetassem as ruas por onde o cortejo iria passar. 

São as cartas régias de 20 de Agosto de 1498 e de 8 de Maio de 1500, assinadas pelo rei D. Manuel I de Portugal, que marcam o início do calcetamento das ruas de Lisboa, mais notavelmente o da Rua Nova dos Mercadores (antes Rua Nova dos Ferros)

Foi utilizado neste calcetamento granito vindo do Porto, no entanto o seu transporte tornou o trabalho dispendioso para os cofres do reino, mas o Rinoceronte merecia

Surgia assim a Calçada à portuguesa, mais irregular que a conhecemos hoje, mas era o seu inicio.

Posteriormente, o terramoto de 1755 destruiu grande parte da cidade e com ela as suas ruas calcetadas. Mas só em 1842 Lisboa voltaria a ver uma calçada reconstruída, desta vez com pedras de calcário, geralmente brancas e pretas, material abundante na região. Deste modo, aplicavam-se pedras praticamente cúbicas, que é como as conhecemos hoje em dia e em todo o mundo por onde Portugal deixou marca.

O trabalho foi realizado por presidiários (chamados grilhetas na época), a mando do Governador de armas do Castelo de São Jorge, o tenente-general Eusébio Pinheiro Furtado.

O desenho utilizado nesse pavimento foi de um traçado simples (tipo zig-zag) mas, para a época, a obra foi de certa forma insólita, tendo motivado cronistas portugueses a escrever sobre o assunto.

Após o sucesso da empreitada foram concedidas verbas a Eusébio Furtado para que os reclusos pavimentassem também a Praça do Rossio, numa extensão de 8.712m². Esta obra terminou em 1848, com desenhos a homenagear os descobrimentos portugueses, e ficou conhecida como Mar Largo. Rapidamente se espalhou esta moda pelo país e pelas colónias, onde foram produzidas autênticas obras-primas nas zonas pedonais, enobrecendo o espaço público urbano, num ideal de modernização das cidades.

A Baixa de Lisboa transforma-se com a maioria das suas ruas a serem calcetadas a basalto, entre elas o Largo de Camões em 1867, o Príncipe Real em 1870, a Praça do Município em 1876, o Cais do Sodré em 1877 e o Chiado, finalizando em 1894. A abertura da Avenida da Liberdade dá-se em 1879 e em 1908 chega finalmente ao Marquês de Pombal com largos passeios onde foram introduzidos belos e deslumbrantes tapetes de desenhos, que fazem de Lisboa a cidade referência deste tipo de pavimento artístico.

Mas a calçada não se encontra só em Portugal. No séc. XV os territórios de além-mar de influência portuguesa também viram a pedra da mesma origem revestir os seus arruamentos

 

Isto deveu-se ao facto de muitos dos navios que partiam para esses destinos irem vazios, a fim de regressarem carregados de bens e mercadorias locais, e por isso terem necessidade de aumentar a sua carga e assim garantir a sua estabilidade de navegação – o chamado lastro. A solução encontrada foi carregar as embarcações de pedra portuguesa à partida de Lisboa.

 

Um exemplo longínquo desta expansão da calçada portuguesa é Macau – antigo território administrativo português e talvez o território fora de Portugal com a maior área de calçada. Os motivos dos desenhos são, na maioria, de caravelas, rosas-dos-ventos, conchas, peixes, estrelas ou ondas do mar. Nem mesmo depois de 1999, aquando a transferência de soberania para a República Popular da China, essa área diminuiu, antes pelo contrário, ainda hoje este tipo de pavimento é implementado, até por calceteiros chineses, formados por mestres portugueses.

Actualmente, podemos ainda encontrar antigos pavimentos de calçada portuguesa no Brasil, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Índia ou Timor. Ou até encontrar novos exemplos, como acontece em Espanha ou nos E.U.A.

A técnica

Os calceteiros com o auxílio de um martelo, fazerem pequenos ajustes na forma da pedra, e utilizam moldes para marcar as zonas de diferentes cores, de forma a que repetem os motivos em sequência linear (frisos) ou nas duas dimensões do plano (padrões). A geometria do século XX demonstrou que há um número limitado de simetrias possíveis no plano: 7 para os frisos e 17 para os padrões. Um trabalho de jovens estudantes portugueses registou, nas calçadas de Lisboa, 5 frisos e 11 padrões, atestando a sua riqueza em simetrias.

Destacam-se as técnicas de aplicação de calçada mais comuns: a antiga calçada à portuguesa, que se caracteriza pela forma irregular de aplicação das pedras; o malhete, semelhante mas com mais espaço entre as pedras; a calçada portuguesa clássica, que tem uma aplicação em diagonal, segundo um alinhamento de 45 graus com os muros ou lancis; a calçada à fiada, com as pedras alinhadas em filas paralelas; a calçada circular; a calçada sextavada; a calçada artística, que se caracteriza pela aplicação de pedras com formatos específicos e/ou pelo contraste de cores; o Mar Largo; o leque segmentado; o leque florentino; e o rabo de pavão.

Os desenhos

Durante muito tempo os desenhos foram elaborados por amadores com muita perícia, tendo geralmente como base motivos tradicionais ligados ao grande feito dos portugueses – os Descobrimentos.

A partir dos anos 50, alguns artistas foram convidados a desenhar motivos destinados à calçada portuguesa.

Nos dias de hoje o papel dos arquitetos é fundamental na concepção de motivos a aplicar a espaços em recuperação, como nas zonas antigas das cidades portuguesas.

São os próprios mestres que criam e desenvolvem novos tipos de aplicação da pedra consoante o gosto e estilo profissional.

Em 1986, foi criada pela Câmara Municipal de Lisboa, uma Escola de Calceteiros com o único objetivo de formar profissionais, e ensinar-lhes os saberes de velhos mestres e assim assegurar a “sobrevivência” da calçada portuguesa.

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