Maria Severa Onofriana: a primeira fadista

By : Outubro 20th, 2020 Personalidades 0 Comments

Maria Severa é, talvez, o primeiro ícone fadista em Portugal.

Foi baptizada em 12 de setembro de 1820 na Paróquia dos Anjos, razão pela qual há quem refira que ela terá nascido na Mouraria, onde de facto, na Rua do Capelão, viveu parte da sua vida, e onde faleceu. Mas a teoria mais acreditada é que ela tinha nascido na Madragoa onde a sua mãe, a Barbuda (assim chamada porque ela tinha muita barba que a obrigava a cortá-la frequentemente e a encobri-la com um lenço), uma célebre e temida prostituta da Mouraria que tinha uma taverna na rua da Madragoa. 

Ai a Severa batia o fado com o Manozinho, o mais antigo fadista do sítio, e com o Mesquita, um fadista que andara embarcado.

Viveu apenas 26 anos – de 1820 a 1846 -, mas Maria Severa Onofriana, revolucionou a Lisboa do seu tempo, e grande foi a sua fama em vida e ainda mais depois da morte.

O escritor Júlio Dantas foi um dos responsáveis desta aura de fama pelo seu romance e, posteriormente, pela peça “A Severa”, que mais tarde Leitão de Barros adaptou ao cinema, tendo sido o primeiro filme sonoro português. Protagonizado por Dina Tereza, o filme estreou em junho de 1931 no Teatro S. Luiz, onde esteve em cartaz durante seis meses e foi visto por 200.000 espectadores.

A personagem do romance, a partir da qual se construiu o mito da Severa não corresponde totalmente à vida real da fadista que foi, entre outros, amante do último Conde de Vimioso. A atriz Palmira Bastos que chegou a encarnar no palco a personagem da Severa afirmou que esta era “a dama das camélias portuguesa”.

Maria Severa distinguiu-se pelo feitio “briguento” que herdara da mãe,, mas essencialmente pela sua voz e a forma de cantar, além da esbelta figura. Era “alta, delgada mas não magra, seio opulento, pele muito branca, olhos pretos, bastos cabelos negros, sobrancelhas carregadas, boca pequenina muito vermelha, belos dentes, cintura fina e o pé pequeno”, assim a descreveu um contemporâneo.

O pintor Francisco Metrass (1825-1861) ainda esboçou o seu retrato, sem nunca o ter terminado.

Severa viveu em pleno advento do liberalismo quando se começou a sentir o final do Antigo Regime absolutista

Afirmam os seus contemporâneos, que deixaram escritas memórias sobre Severa, que além de cantar o fado, acompanhava-se a si própria, numa guitarra de cravelhas, e até escrevia os poemas que cantava.

Um companheiro seu, Manuel Botas, descreve a sua peculiar forma de cantar: “Às vezes guardava-se melancólica, nesses momentos cantava com tal sentimento que nos causava funda impressão”.

Severa, do qual não existe nenhum registo de voz, diz-se ter sido a primeira pessoa a cantar os fados na rua e a elevar os seus problemas representando o povo, e a razão pela qual o fado se propagou até ao nível de entidade nacional que hoje é. 

Teve vários amantes conhecidos, entre eles o Conde de Vimioso (D. Francisco de Paula de Portugal e Castro) que, segundo a lenda, era enfeitiçado pela forma como cantava e tocava guitarra, levando-a frequentemente à tourada. Proporcionou-lhe grande celebridade e naturalmente permitiu a Severa um maior prestígio e número de oportunidades para se exibir para um público de jovens oriundos da elite social e intelectual portuguesa.

Mas a diferencia social nunca ia permitir um casamento entre os dois e, a historia conta, isso provocou a morte da Severa que morreu pelo coração partido. De verdade morreu pobre e abandonada, de tuberculose, num miserável bordel da Rua do Capelão, a 30 de Novembro de 1846.

Consta que as suas últimas palavras terão sido: “Morro sem nunca ter vivido” – tinha 26 anos.

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