Em 1514, Afonso de Albuquerque, fundador do Império Português no Oriente e governador das Índias Portuguesas, quis construir uma fortaleza em Diu, cidade situada no reino de Cambaia, governado pelo rei Modofar. Afonso de Albuquerque foi autorizado pelo rei D. Manuel I, a enviar uma embaixada ao rei de Cambaia, solicitando autorização para construir a fortaleza. O rei Modofar não cedeu ao pedido mas, apreciando as oferendas recebidas, deu a Afonso de Albuquerque um rinoceronte. Como era impossível mantê-lo em Goa, Afonso de Albuquerque decidiu enviar o rinoceronte ao rei D. Manuel I, como presente.
A chegada do animal a Lisboa causou muita curiosidade, não só em Portugal como no resto da Europa sobretudo pelo seu aspeto – o rinoceronte pesava mais de duas toneladas e tinha uma pele espessa e rugosa formando três grandes pregas que lhe davam a estranha aparência de uma armadura. Era o primeiro rinoceronte vivo em solo europeu desde o séc. III.
O rinoceronte, que foi chamado Ganda, ficou instalado no parque do Palácio da Ribeira. Lembrando ao rei as histórias romanas sobre o ódio mortal entre elefantes e rinocerontes, D. Manuel I, que tinha como animal de estimação um pequeno elefante, decidiu verificar se tal historia era verdade. Assim, foi organizado um combate entre os dois animais, a que assistiram o rei, a rainha e as suas damas de companhia, bem como muitos outros convidados importantes. O evento foi organizado no terreiro do paço, hoje-em-dia praça do commercio e foram montados palcos para assistir a este espectáculo.
Quando os dois animais se encontraram frente a frente, o elefante, que parecia ser o mais nervoso, entrou em pânico e fugiu mal o rinoceronte se começou a aproximar, destruindo os palcos e difundindo o panico entre as pessoas.
Em 1515, o rei D. Manuel I decidiu organizar uma nova embaixada extraordinária a Roma, para garantir o apoio do Papa, na sequência dos crescentes sucessos dos navegadores portugueses no Oriente, e com vista a consolidar o prestígio internacional do reino. Entre as ofertas decidiu enviar o rinoceronte, que usava uma coleira em veludo verde com rosas e cravos dourados. A nau partiu de Lisboa em Dezembro de 1515.
Ao largo de Génova surgiu uma violenta tempestade, tendo o navio afundado, perecendo toda a tripulação. O rinoceronte, embora soubesse nadar, acabou por se afogar, por causa das amarras. No entanto, foi possível recuperar o seu corpo. Ao saber da notícia, D. Manuel I ordenou que o rinoceronte fosse empalhado e enviado ao Papa, como se nada tivesse acontecido. Mas este animal não fez tanto sucesso junto do Papa como anteriormente tinha feito o elefante!
Em Portugal o rinoceronte foi imortalizado, encontrando-se representado no Mosteiro de Alcobaça, onde existe uma representação naturalista do animal de corpo inteiro, com função de gárgula, no Claustro do Silêncio. Foi também desenhado pelo grande mestre impressor Albrecht Dürer, baseando-se numa carta de um mercador português que continha um desenho do rinoceronte.
E um pequeno rinoceronte está também imortalizado na torre de Belém. Onde? Vens comigo visitá-la e iremos descobrir-lo.
A origem da filigrana remonta ao terceiro milénio antes de Cristo, na Mesopotâmia. As peças mais antigas datam de 2500 a.C. e foram descobertas no atual Iraque. Outras peças, descobertas na Síria, são de aproximadamente 2100 a.C.
Chegou à Europa através das rotas comerciais no mar Mediterrâneo, onde se tornou relativamente popular nas civilizações Grega e Romana. As descobertas mais antigas de joalharia em filigrana foram feitas na atual Itália e estima-se que sejam do séc. XVIII a.C. No entanto, a filigrana continuou a sua viagem e cruzou fronteiras até à Índia e à China. No extremo Oriente, era usada sobretudo como elemento decorativo e não como joalharia.
Mas em que a filigrana distingue-se das outras artes de joalharia?
Na forma como diferentes fios finos desenham padrões e são soldados conjuntamente de maneira a criar uma peça muito maior. Nenhuma outra arte de joalharia usa uma técnica de fusão semelhante para juntar fios de ouro. Hoje – como há milhares de anos – os diferentes fios que compõem cada peça unem-se apenas pelo calor, sem recorrer a nenhum outro material ou liga.
As peças mais antigas em filigrana descobertas na Península Ibérica remontam a 2000 – 2500 a.C., mas a sua origem não é clara. Possivelmente, estas peças pertenciam a comerciantes ou navegadores originários do Médio Oriente e não foram fabricadas aqui.
Só durante o domínio dos romanos, durante o séc. II a.C., começou a existir na Península exploração mineira.
Mas apenas milhares de anos depois, no séc. VIII d.C., conseguimos assegurar com certeza que a filigrana estava a ser desenvolvida e produzida em Portugal. Foi com a chegada de povos Árabes que surgiram novos padrões e que, pouco a pouco, a filigrana da Península se começou a diferenciar da filigrana de outras partes do mundo.
A filigrana portuguesa representa maioritariamente a natureza, a religião e o amor:
- o mar é representado com peixes, conchas, ondas e barcos;
- a natureza é a inspiração das flores, dos trevos e das grinaldas;
- com motivos religiosos, encontramos as cruzes, como a cruz de Malta, e os relicários. o amor, claro, é a inspiração de todos os corações em filigrana.
Outros símbolos icónicos da filigrana portuguesa:
– O coração de Viana: um símbolo de dedicação e de culto do Sagrado Coração de Jesus. Terá sido a rainha D. Maria I que, grata pela “bênção” de lhe ter sido concedido um filho varão, mandou executar um coração em ouro.
Com o passar do tempo, o coração acabou por começar a ser relacionado com o “amor profano”, símbolo da ligação entre dois seres humanos. Tornou-se tão popular que as cornucópias e as linhas do Coração de Viana começaram a ser reproduzidas em lenços e bordadas em todo o tipo de tecidos. Eventualmente, isto trouxe ao Coração de Viana o reconhecimento e a popularidade que se mantém até aos dias de hoje.
– Os brincos da Rainha: é quase unânime que os brincos rainha apareceram em Portugal durante o reinado da Rainha D. Maria I (1734 – 1816). A origem do nome, essa, parece remontar ao reinado de D. Maria II (1819 – 1853), que usou um par destes brincos numa visita a Viana do Castelo em 1852. Depois desta visita, popularizaram-se como símbolo de riqueza e de status e ganharam o nome “brincos rainha”.
– As arrecadas: começaram por ser os brincos da população mais humilde e que as classes mais privilegiadas começaram a imitar. Na sua origem estavam as arrecadas Castrejas, com inspiração no quarto crescente da lua.
Hoje, o fabrico de filigrana em Portugal concentra-se sobretudo nas zonas de Gondomar e da Póvoa do Lanhoso. A proximidade da matéria prima – proveniente, por exemplo, das serras de Pias e Banjas – fizeram da região um dos núcleos mais notáveis da Ourivesaria Portuguesa. Ainda hoje, em 2018, Gondomar é responsável por 60% da produção de ourivesaria nacional.
Uma curiosidade: o ouro português tem 19,2 quilates (o ouro puro tem 24).
Hoje falamos de um dos santos mais disputados da história, um santo que para os italianos é sem dúvida Santo António de Pádua. Mas cuidado a afirmar isso em Lisboa! Aqui é Santo Antônio de Lisboa. Durante os meus passeios, convido os meus turistas a fazerem uma pequena experiência: procurar Santo Antonio na Wikipédia. Experimente e verá que, se em todas as línguas é Santo António de Pádua, em português é Santo António de Lisboa. Mas então, qual é a verdade?
É um dos santos mais queridos do cristianismo, mas Santo Antônio de Pádua, como é conhecido hoje, sempre carregou consigo essa curiosa polémica ligada ao seu nome.
Para ser justos, é preciso dizer que António viveu em Pádua apenas 3 anos, os últimos de sua vida cheia de aventuras. Fernando Martins de Bulhões – este é o seu verdadeiro nome – nasceu numa família rica em 1195 em Lisboa; nessa altura a cidade tinha regressado ao cristianismo desde cerca de 40 anos, após Alfonso Henriques a ter conquistado aos mouros tornando-se assim o primeiro rei de Portugal. O pai Martinho, cavaleiro do rei, vivia com a família numa casa perto da Sé de Lisboa, onde Fernando foi baptizado.
Em 1210, com apenas quinze anos, entrou para a Ordem dos Agostinianos na Abadia de São Vicente, em Lisboa. Após cerca de 2 anos foi transferido para o Convento de Santa Cruz em Coimbra, onde permaneceu cerca de 8 anos, durante os quais estudou assiduamente teologia. Em 1219, chegaram ao convento os corpos decapitados de 5 frades enviados por Francisco de Assis a Marrocos com a missão de converter os muçulmanos. Fernando ficou tão chocado com o incidente que decidiu deixar os agostinianos para ingressar na Ordem Franciscana. Ele, portanto, escolheu mudar o seu primeiro nome para António, e partir como missionário.
Antonio embarcou para o Marrocos no outono de 1220. Porém, ao chegar à África, contraiu uma febre tropical que o obrigou a retornar à Europa. Mas na viagem de volta para a Península Ibérica, o navio encontrou uma forte tempestade que desviou o seu curso em direção ao Mediterrâneo.
O barco naufragou na Sicília. Aqui, Antonio refugiou-se no convento franciscano de Messina, onde soube que em maio daquele ano (1221) Francisco convocou a assembleia eletiva e legislativa dos frades da Ordem. Depois de uma longa viagem, Antonio chegou a Assis, onde conheceu pessoalmente o futuro padroeiro da Itália. Antonio recebeu a ordem de pregar e de lá partiu para uma nova missão de conversão, desta vez para o norte da Itália, e no final de 1224 mudou-se para o sul da França.
Depois de passar 2 anos na França, retornou à Itália em 1226 quando soube da morte de Francisco. Os seus sermões começaram a ser seguidos por muitas pessoas, e ele nem parou quando, exausto pelas viagens contínuas e longos jejuns a que foi submetido, ficou doente o suficiente para ser forçado a ser carregado em seus braços até o púlpito. Ele morreu em 13 de junho de 1231, aos 36 anos.
Graças à fama que conquistou, desde o dia do funeral o seu túmulo tornou-se destino de peregrinação para milhares de devotos que desfilaram em frente ao sarcófago dia e noite pedindo graças e curas. Tantos milagres foram atribuídos à sua intercessão que o bispo de Pádua “por aclamação popular” teve que submetê-los ao julgamento do Papa Gregório IX. Em junho de 1232, exatamente um ano após sua morte, Antônio foi nomeado Santo com “53 milagres aprovados” e a denominação de Santo António de Pádua. Nesse mesmo ano, iniciaram-se as obras da Basílica destinada a preservar os restos mortais da capital veneziana e que hoje recebe milhões de visitantes todos os anos.
E os lisboetas, seus concidadãos? Têm de se contentar com um fragmento de osso do braço esquerdo, cedido pelos franciscanos paduanos e guardado na cripta da mais humilde, mas igualmente bela, Igreja de Santo António de Lisboa, que se ergue a poucos passos da Sé, no mesmo local onde, como conta o lenda, havia a casa de seus pais.
Por outro lado, a maior festa popular da cidade é dedicada ao santo, a famosa Noite de Santo António que todos os anos entre 12 e 13 de junho (aniversário de sua morte) enche todos os bairros com marchas, cantos, danças e os característicos cheiro de sardinha grelhada e comida ao ar livre por milhares de fregueses. Mas isso fica para uma próxima historia!
Maria Severa é, talvez, o primeiro ícone fadista em Portugal.
Foi baptizada em 12 de setembro de 1820 na Paróquia dos Anjos, razão pela qual há quem refira que ela terá nascido na Mouraria, onde de facto, na Rua do Capelão, viveu parte da sua vida, e onde faleceu. Mas a teoria mais acreditada é que ela tinha nascido na Madragoa onde a sua mãe, a Barbuda (assim chamada porque ela tinha muita barba que a obrigava a cortá-la frequentemente e a encobri-la com um lenço), uma célebre e temida prostituta da Mouraria que tinha uma taverna na rua da Madragoa.
Ai a Severa batia o fado com o Manozinho, o mais antigo fadista do sítio, e com o Mesquita, um fadista que andara embarcado.
Viveu apenas 26 anos – de 1820 a 1846 -, mas Maria Severa Onofriana, revolucionou a Lisboa do seu tempo, e grande foi a sua fama em vida e ainda mais depois da morte.
O escritor Júlio Dantas foi um dos responsáveis desta aura de fama pelo seu romance e, posteriormente, pela peça “A Severa”, que mais tarde Leitão de Barros adaptou ao cinema, tendo sido o primeiro filme sonoro português. Protagonizado por Dina Tereza, o filme estreou em junho de 1931 no Teatro S. Luiz, onde esteve em cartaz durante seis meses e foi visto por 200.000 espectadores.
A personagem do romance, a partir da qual se construiu o mito da Severa não corresponde totalmente à vida real da fadista que foi, entre outros, amante do último Conde de Vimioso. A atriz Palmira Bastos que chegou a encarnar no palco a personagem da Severa afirmou que esta era “a dama das camélias portuguesa”.
Maria Severa distinguiu-se pelo feitio “briguento” que herdara da mãe,, mas essencialmente pela sua voz e a forma de cantar, além da esbelta figura. Era “alta, delgada mas não magra, seio opulento, pele muito branca, olhos pretos, bastos cabelos negros, sobrancelhas carregadas, boca pequenina muito vermelha, belos dentes, cintura fina e o pé pequeno”, assim a descreveu um contemporâneo.
O pintor Francisco Metrass (1825-1861) ainda esboçou o seu retrato, sem nunca o ter terminado.
Severa viveu em pleno advento do liberalismo quando se começou a sentir o final do Antigo Regime absolutista
Afirmam os seus contemporâneos, que deixaram escritas memórias sobre Severa, que além de cantar o fado, acompanhava-se a si própria, numa guitarra de cravelhas, e até escrevia os poemas que cantava.
Um companheiro seu, Manuel Botas, descreve a sua peculiar forma de cantar: “Às vezes guardava-se melancólica, nesses momentos cantava com tal sentimento que nos causava funda impressão”.
Severa, do qual não existe nenhum registo de voz, diz-se ter sido a primeira pessoa a cantar os fados na rua e a elevar os seus problemas representando o povo, e a razão pela qual o fado se propagou até ao nível de entidade nacional que hoje é.
Teve vários amantes conhecidos, entre eles o Conde de Vimioso (D. Francisco de Paula de Portugal e Castro) que, segundo a lenda, era enfeitiçado pela forma como cantava e tocava guitarra, levando-a frequentemente à tourada. Proporcionou-lhe grande celebridade e naturalmente permitiu a Severa um maior prestígio e número de oportunidades para se exibir para um público de jovens oriundos da elite social e intelectual portuguesa.
Mas a diferencia social nunca ia permitir um casamento entre os dois e, a historia conta, isso provocou a morte da Severa que morreu pelo coração partido. De verdade morreu pobre e abandonada, de tuberculose, num miserável bordel da Rua do Capelão, a 30 de Novembro de 1846.
Consta que as suas últimas palavras terão sido: “Morro sem nunca ter vivido” – tinha 26 anos.
A história dos Ovos Moles tem origem conventual no século XVI. Terá sido no Convento de Jesus de Aveiro que este doce típico terá sido elaborado pela primeira vez. Enquanto que as claras dos ovos eram usadas para tarefas domésticas — para engomar a roupa, por exemplo —, às gemas não se sabia que uso dar. Até ao dia em que lhe juntaram o açúcar!
A cana de açúcar foi trazida para Portugal pelos árabes no século VIII e depressa começaram a tentar plantá-la. No entanto, só após alguns séculos descobriram que o local ideal para o fazer era a ilha da Madeira. Dessa produção, uma parte ia directamente para a casa real que, por sua vez, distribuía outra parte como esmola por várias instituições e conventos.
Doceiras prendadas, as freiras do convento rapidamente criaram um delicioso doce de ovos que, mais tarde, resultaria nos Ovos Moles de Aveiro.
Os Ovos Moles são servidos em hóstia (obreia), por influência conventual, em formas que remetem para a cidade de Aveiro e a sua tradição piscatória e proximidade com o mar — os peixes, os búzios ou as conchas. Mas também são apresentados dentro de pequenas barricas pintadas à mão.
Desde a implantação da linha de caminho de ferro Porto-Lisboa que é tradicional a venda de ovos moles na paragem dos comboios da estação de Aveiro, por mulheres vestidas com trajes regionais. O doce é tradicionalmente comercializado em barricas de madeira pintadas exteriormente com barcos moliceiros e outros motivos da Ria de Aveiro.
Já Eça de Queiroz n’Os Maias fazia referencia aos Ovos Moles de Aveiro!
Na capital, esta iguaria também tem lugar de destaque — A Casa dos Ovos Moles em Lisboa. Em hóstia ou nas barricas decoradas a rigor, os Ovos Moles fazem parte de uma lista de doces conventuais que aqui são servidos com toda a tradição e onde os ovos são reis. Fidalgo, Trouxas de Ovos, Celestes ou Toucinho do Céu acompanhados por uma Ginjinha, um Vinho do Porto ou um Moscatel.
E como fazer ovos moles? É só espreitar a receita já a seguir…
Ingredientes: (24 unidades)
- 12 gemas
- 12 colheres (sopa) de açúcar
- 12 colheres (sopa) de água
- 4 folhas de hóstia com moldes
- claras p/ selar as folhas
Confecção:
- Coloque as as gemas, o açúcar e a água num tacho e leve ao lume, mexendo sempre até o creme espessar. Deixe arrefecer.
- Deite pequenas porções do creme de ovos, já frio, em 2 folhas de hóstia (deixe um pouco de creme para barrar as outras folhas). Com uma faca, espalhe bem o creme, de forma a preencher os espaços entre os moldes.
- Barre os moldes das outras folhas de hóstia e coloque-as por cima das anteriores.
- Recorte os moldes de hóstia já cheios.
- Molhe os dedos polegar e indicador em clara para unir bem as bordas. Corte as aparas dos moldes e terá prontos os seus ovos-moles de Aveiro.
Agora é só colocar em prática! Bom apetite!
A região do Minho, ao norte de Portugal, é conhecida pela qualidade de seus bordados, portanto, não é de se admirar que tenha sido o local em que a tradição do Lenço dos Namorados tenha começado.
Diz-se que antigamente, as moças minhotas em idade de se casar tinham por hábito bordar o seu enxoval, mas entre uma peça e outra, elas bordavam às escondidas um pequeno quadrado, geralmente com versinhos de amor e alguns desenhos.
O dito quadradinho ficava guardado com ela até que tivesse a oportunidade de fazê-lo chegar ao rapaz que amava. Isso geralmente acontecia nas missas de domingo, quando ela “distraidamente”, deixava-no cair próximo ao rapaz. Depois de bordado, o lenço era entregue ao namorado ou “conversado” e o fato dele usar publicamente ou não, que se decidia o namoro. Se ele aceitasse, poria o lenço por cima do seu casaco domingueiro, colocava-o ao pescoço com o nó voltado para a frente, usava-o na aba do chapéu.
Caso contrário, o lenço voltaria às mãos da menina. Se por acaso, ele aceitasse mas, mais tarde, trocasse de parceira, fazia chegar à sua antiga pretendida o lenço, e outros objetos que lhe pertencessem, como fotografias, cartas.
Os lenços, representam o sentimento da menina em relação ao rapaz, no qual ela escreve pequenos versos de amor, ou símbolos.
O auge dessa prática foi entre 1850 e 1950, em especial nas cidades de Viana do Castelo, Guimarães, Vila Verde, Telões e Aboim da Nóbrega. A escrita era marcada pelos erros ortográficos, visto que, em sua grande maioria, as raparigas que os bordavam eram de famílias humildes e com poucos estudos.
Hoje o lenço dos namorados virou um engraçado souvenir e alguns mais antigos, quando não são relíquias de família, encontram-se expostos em museus.
Basicamente o Lenço dos Namorados é um lenço fabricado a partir de um pano de linho fino ou de lenço de algodão, bordado com motivos variados.
Damos conta muitas vezes, de erros ortográficos nestes lenços, que denunciam a falta de instrução da época.
Sendo bordados a ponto cruz, estes lenços eram muito trabalhosos e morosos, obrigando a “bordadeira” a ser muito paciente e cuidadosa na sua confecção. Com o passar dos tempos, foram-se adotando outros tipos de pontos mais fáceis e rápidos de bordar. Com esta alteração a decoração inicial dos lenços modifica, as originais cores de preto e vermelho, vão dar origem a uma série de outras cores e outros motivos de decoração. Porém, não se perdendo nunca, o objetivo principal.
Pensa-se que foi a partir destes lenços que surgiram mais tarde os Lenços de Casamento, muito maiores, que a noiva levava na cabeça, ou que envolviam o ramo, bem como as algibeiras usadas à cintura bordadas com missangas e fitas de veludo.
Felizmente este património não foi esquecido e, nos dias de hoje, mantém-se como um dos símbolos da cultura e tradição portuguesa.
A cozinha portuguesa possui inúmeros tesouros gastronómicos, mas, na minha opinião, um dos mais deliciosos é a Francesinha à moda do Porto.
Este prato típico da cidade do Porto consiste numa sanduíche que pode ser realizada de diferentes formas mas que, normalmente, tem na sua constituição: duas fatias de pão, salsicha fresca, linguiça, bife de vaca e fiambre.
No topo desta delicia para o coração, há uma cobertura quase totalmente feita com queijo que, no forno, fica derretido
Mas é o molho seguramente o seu componente mais importante, diríamos mesmo: a alma da Francesinha! Existem diversas variantes do molho mas, habitualmente, usa-se pelo menos tomate, cerveja e piripiri. Como o segredo da Francesinha está no molho, existem inúmeras variantes como, por exemplo, incluir molho de marisco, licores, vinho do Porto, whisky ou diversas especiarias.
A cereja no topo do bolo é o ovo estrelado em cima desta torre de pão, carne e queijo. Além disso, há as batatas fritas e a cerveja bem fresquinha.
Mas qual é a historia deste prato tão bom pelo nosso paladar (e um pouco menos pelo nosso colesterol)?
Sendo a Francesinha um prato tradicional tão emblemático e popular, de uma cidade tão marcante como é o Porto, é natural que surjam diferentes estórias em torno da história do famoso petisco portuense.
Alguns defendem que o autor desta criação foi Daniel David Silva que, após ter estado emigrado em França, terá confecionado um produto nacional, tendo por base todas as influências da cidade parisiense, inspirando-se nomeadamente no croque-monsieur ou madame (com ovo no topo).
Já em 1953, aproximadamente, surge a Francesinha no restaurante A Regaleira, situado na rua do Bonjardim no Porto. O estabelecimento publicita que o notável petisco foi criado no seu espaço.
A lenda que ficou para a história é que o nome “Francesinha” se deve a este ser um petisco com piri-piri e, por isso, picante, característica que Daniel David Silva relacionaria com as mulheres francesas, para ele as mais “picantes”.
O sucesso da Francesinha é tanto que é fácil haver a tentação de colocar o nome de “Francesinha” às mais variadas invenções: com diferentes tipos de carne, com camarão, vegetarianas, entre outras. Existe, assim, diversidade e, embora algumas variantes possam ser consideradas legítimas, outras deviam ser consideradas uma verdadeira heresia e blasfémia.
Eu defendo a clássica, refeição obrigatória para mim quando fico na cidade invicta. E vocês? Quando vem visitar o Porto comigo e experimentar uma francesinha?
O nosso post de hoje nos leva para a cidade de Aveiro, no centro de Portugal, também conhecida como a Veneza portuguesa pelo seus canais e pelas suas “gôndola” muito especiais: os moliceiros.
Como italiana, percebo os pontos em comum das duas cidades mas acho que os moliceiros, pela sua historia e pela sua tradição, merecem um lugar além da sua comparação com as gôndola veneziana. E vamos descobrir porque.
O Moliceiro, como o seu nome indica, era um barco de trabalho utilizado para a apanha do moliço, uma alga aquática utilizada para adubar os terrenos agrícolas de quase toda a região de Aveiro. O seu recurso predominava desde Ovar até Mira, variando as suas dimensões consoante a zona navegada.
Correndo o risco de desaparecer devido à quase extinção do uso do moliço, o moliceiro foi recentemente preservado. Reinventado como símbolo cultural da ria de Aveiro, é agora orientado pelo sector turístico.
É na Murtosa que estas criações nascem. Em média, são necessários cerca de 25 dias e 2 homens para a construção de um moliceiro. É essencialmente construído em madeira de pinheiro manso e bravo, espécie predominante na região de Aveiro. O seu tempo médio de vida é de 7 anos.
Actualmente há pouquíssimos construtores navais dedicados à construção de moliceiros.
O barco moliceiro tem cerca de 15 metros de comprimento e 2,5m de largura. A sua borda baixa facilitava o carregamento do moliço, mas são as suas elegantes proa e ré que, com as suas pinturas, o distinguem das demais embarcações portuguesas. São decorados com pinturas que abordam temas que se alteram com os tempos. Estes motes são devidos às transições socio-culturais na História de Portugal.
As pinturas dos moliceiros são sempre compostas por texto e imagem. Começaram por ser uma espécie de jornal da Ria, uma plataforma para expressar a opinião e os acontecimentos entre as pessoas de Ovar, Murtosa, São Jacinto, Ílhavo, Mira… O que se passava nestas localidades era representado nestas pinturas. Eram e são uma forma de comunicação que relata a actualidade, homenageia figuras queridas ou satiriza outras indesejada.
Antigamente, era o próprio construtor naval quem pintava os moliceiros. Depois, por questões de poupança, passaram a ser os proprietários a fazê-lo. Actualmente, é um trabalho encomendado a artistas da região que primam pela preservação desta tradição.
As várias temáticas abordadas abrangem conteúdos religiosos, burlescos, sociais, históricos e lúdicos, consoante a actualidade e o mediatismo. Comentam-se os trabalhos e as vidas dos envolvidos nas embarcações, as instituições e figuras públicas, as festas e cerimónias, os descobrimentos, os militares… As mais recentes pinturas falam, por exemplo, de equipas e jogadores de futebol, do fado, da política, da União Europeia, do Big Brother ou da crise económica… Nada escapa à visão crítica de um pintor de moliceiros!
Então fica a dica: quando visitarem Aveiro, ponham no programa uma viagem de moliceiro, para descobrir a cidade de um ponto de vista diferente. Um passeio de circa 45 minutos para duas pessoas custa entre 20 e 30 euros. E se preferirem ficar com os pes no chão, não perca a possibilidade de ir observar os moliceiros por perto para descobrir as suas interessantes pinturas.
Filho de Dona Maria II e D Fernando II, D. Pedro V teve uma educação moral e intelectual esmerada, estudando entre outras disciplinas, ciências naturais, filosofia, escrita e línguas. Desde cedo demonstrou ter notável inteligência, aos dois anos falava alemão e francês e aos doze anos dominava o grego e o latim sabendo também falar inglês.
Viajou para diversos países e tentou trazer para Portugal a modernidade e evolução que encontrava nestas viagens, era liberal e inovador mas também caridoso e preocupado com o seu povo. Inaugurou o primeiro telégrafo em Portugal e também o caminho de ferro entre Lisboa e Carregado e foi chamado “O rei Santo” porque se recusou a sair de Lisboa durante as epidemias de cólera e febre amarela de 1853 a 1857 onde prestou auxilio direto às vitimas e criou o asilo D. Pedro V para acolher os seus órfãos , dando-lhes instrução primária e ensinando-lhes um oficio.
D. Pedro V não tinha grandes interesses matrimoniais, recusando a sua primeira prometida esposa mas aceitando por fim a segunda, Estefânia de hohenzollern-Sigmaringen.
Em Abril de 1858, o rei D. Pedro V e a rainha D. Estefânia casaram-se por Procuração, mas só se conheceram um mês depois.
O casamento foi a 18 de maio de 1858, na Igreja de São Domingos, em Lisboa. Toda a cidade estava pronta para receber o evento.
Para agradar a sua futura esposa D. Pedro V manda fazer uma das jóias mais caras da Coroa Portuguesa em seu nome e propositadamente para o seu casamento. Um diadema com mais de 4.000 diamantes e é aqui, que segundo o povo, o infortúnio desta historia de amor começa.
Na época os diamantes não deveriam ser utilizados por mulheres virgens no casamento e como se isso não fosse já um presságio, a jóia era de tal maneira pesada que fez uma ferida aberta na testa da Rainha. Ao sair do seu casamento com sangue a escorrer o povo ditou a sua sentença: “Ai coitadinha…vai morrer!
No entanto, para D Pedro V, depois de conhecer D. Estefânia, tudo mudou: o casal parecia apaixonado, passeavam de mãos dadas pelos jardins de Sintra e Benfica.
Mas faltava a rainha engravidar. Um ano depois do casamento, a rainha sentiu-se mal e foi internada. Com apenas 22 anos de idade a rainha faleceu de difteria que terá sido contraída numa inauguração de caminhos de ferro no Alentejo.
O marido ficou à cabeceira da sua cama, sem dormir, durante dois dias inteiros. Os médicos da casa real fizeram uma autópsia, mas o seu resultado só foi tornado público 50 anos mais tarde num artigo do famoso médico Ricardo Jorge: a rainha morreu virgem!
No dia do enterro D. Estefânia levava consigo a tão preciosa jóia que à chegada ao local foi trocada por uma coroa de flores de laranjeira… a jóia, no valor de 86.953,645 reis nunca mais foi vista.
D. Pedro não conformado com a perda do seu grande amor acabou por morrer a 11 de novembro de 1861, aos 24 anos. Morreu de febre-tifóide que contraiu por beber água contaminada durante uma caçada.
A Igreja de São Domingos, uma igreja barroca situada no centro histórico de Lisboa, junto à Praça do Rossio, data do século XIII e, além de ter sido uma igreja importante pois aqui celebravam-se os casamentos reais, é também protagonista de uma historia que ainda hoje nos faz arrepiar.
A primeira pedra da Igreja de São Domingos foi lançada no ano de 1241 sendo que, desde então, esta tem sofrido sucessivas campanhas de restauro e ampliação.
O estilo arquitetónico da Igreja de São Domingos é uma mescla dos diferentes períodos e influências que a moldaram, entre as quais em 1748, com a reforma implementada por Frederico Ludovice à capela-mor, assim como a posterior obra de reconstrução de Manuel Caetano Sousa e as obras de reconstrução que se deram após o grande incêndio de 1959. Dos vários elementos que a constituem sobressaem os Maneiristas e Barrocos.
Esta igreja barroca encontra-se classificada como Monumento Nacional. Contém traços maneiristas, de nave única em cruz latina, transepto saliente, capela-mor rectangular, cripta circular, claustro e sacristia. O exterior caracteriza-se pela simplicidade de linhas e o interior é rico e eclético, destacando-se as suas colunas de grandes dimensões, os mármores e azulejos.
Mas é uma historia que aqui aconteceu a mais de 500 anos que marcou a história desta igreja para sempre.
Foi na Igreja de São Domingos que começou um dos episódios mais negros da história de Lisboa: o massacre dos judeus da cidade, em 1506.
O dia 19 de Abril de 1506 os fiéis enchiam a igreja, pedindo o fim da seca e da peste, quando uma luz entrou na igreja e alguém disse ter visto o rosto de Cristo iluminado. Logo todos começaram a gritar que era um milagre. Houve, no meio disto, uma voz discordante: um cristão-novo, ou seja, um judeu que fora obrigado a converter-se, tentou argumentar que se tratava apenas de um fenómeno físico, provocado pelo reflexo da luz. Enfurecida, a multidão voltou-se contra ele e espancou-o até à morte.
Foi o início de três dias de matança pela cidade de Lisboa. Reza a história que os frades dominicanos clamavam contra os judeus e incitavam o povo a matar os “hereges”. Muita gente tinha já saído da cidade por causa da peste, mas os que ficaram, aos quais se juntaram muitos marinheiros de passagem – “de naus vindas da Holanda, Zelândia, Alemanha e outras paragens”, escreveu Damião de Góis -, não pouparam os judeus que se lhes atravessaram pelo caminho. Homens, mulheres e crianças foram torturados, massacrados e queimados em fogueiras, muitas delas ali mesmo junto à Igreja de São Domingos. Terão morrido entre 2 mil e 4 mil judeus.
Conta Damião de Góis: “E, por já nas ruas não acharem cristãos-novos, foram assaltar as casas onde viviam e arrastavam-nos para as ruas, com os filhos, mulheres e filhas, e lançavam-nos de mistura, vivos e mortos, nas fogueiras, sem piedade.”
25 anos depois, em 1531, um terrível terremoto danificou a igreja que foi restaurada. Em 1755 o grande terremoto de Lisboa danificou a igreja mais uma vez e duramente. E não foi a ultima tragédia. Um incendio ocorreu a 13 de Agosto de 1959.
Quando a igreja foi reconstruída (reabriu em 1994), decidiu-se deixar as marcas do que tinha acontecido. Hoje as paredes queimadas nos fazem lembrar é a história do massacre de 1506 – como se ainda ecoassem as palavras de ódio dos frades dominicanos e o som da multidão enfurecida, e os gritos dos judeus.